Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
AS VOZES DAS TREVAS E O FIM DOS DITADORES
09/08/2025
 AS VOZES DAS TREVAS E O FIM DOS DITADORES

NESTE BLOG

 

1) AS VOZES DAS TREVAS E O FIM DOS DITADORES 

2) 1964, FOI ONTEM?

 

 

 

MATERIA PUBLICADA EM 31/05/1999

 

 

AS VOZES DAS TREVAS E O FIM DOS DITADORES

Naquele tempo, com gestos e falas já se mostrava o candidato ao hospício.

 

O deputado Bolsonaro, capitão reformado do Exército, se diz representante de um tal pensamento radical extremado que existiria nos quartéis. Em nome dessa atribuição terrível de porta-voz das trevas, ele disse, semana passada, que a revolução de 64 errou, por  não ter fuzilado trinta mil corruptos, entre eles Fernando Henrique Cardoso.  Em nome de uma "limpeza moral"  o capitão,  tresloucado, desliza pela imoralidade do totalitarismo.

Esse tipo de atentado à própria dignidade humana parecia coisa morta, fazendo companhia aos cadáveres de Hitler, Stalin e outros bandidos históricos de igual estirpe. Mas a sugestão  infame, foi feita numa televisão por um parlamentar eleito pelo povo. E o pior é a receptividade que tais disparates criminosos sempre encontram entre pessoas até mesmo honestas, e justamente revoltadas contra a onda generalizada de assalto aos cofres públicos.

Imagine-se, logo depois de vitoriosa, a chamada revolução de 64 dando carta branca para uma caça e fuzilamento de corruptos. Teríamos algo bem pior do que a fase do Terror durante a revolução francesa, que, pelo menos, ainda obedecia a certas formalidades presumivelmente legais.

Imagine-se , aqui em Sergipe, o que teria sido perpetrado pela sanha psicótica do capitão de marinha Pessoa Fontes, que chefiou uma CGI  ( Comissão Geral de Inquérito ) e enxergava corruptos  e subversivos rondando perigosamente à sua volta, como fantasmas malfazejos. Sem ter licença para matar, como o famoso agente 007, o capitão, fazendo ameaças e perseguições, levou alguns cidadãos à morte pelo suicídio ou enfarto.

A sugestão de Bolsonaro faz lembrar Heidrych, verdugo nazista, que , nomeado gauleiter ( governador militar) na Thecoslovaquia ocupada, ao assumir suas tenebrosas funções, conspurcando a beleza e as tradições humanistas que emanam da velha capital, Praga, prometeu nela enfileirar milhares e milhares de cadáveres,  consumando a limpeza étnica e moral entre  judeus , eslavos e homossexuais. Não chegou a completar suas metas sinistras. Foi executado numa emboscada armada por heroicos combatentes da resistencia. Mas, mereceu de Hitler um funeral com pompas de Chefe de Estado. E a carnificina por ele iniciada  ganhou mais intensidade.

Ditadura, é sempre sinônimo de violência, de arbítrio, de injustiça,

intolerância e retrocesso.

Oliveira Salazar, sisudo ditador português em trajes civis, e professor

de finanças públicas, aparentava ser o autocrata paternal, cuidando

zelosamente da estabilidade do escudo, da moral e da religião dos portugueses, e mandando pintar de branco os casebres encarapitados nas elevações que circundam Lisboa, para dar-lhe uma aparência turisticamente agradável. Apesar da imagem de solteirão casto  que ele se esmerava em cultivar,  morreu em consequência de uma queda da cadeira de balanço onde fornicava com a velha governanta. As ditaduras seriam apenas grotescas, se tivessem finais assim tão surrealistas, com ditadores desabando ao chão esmagados ao peso de matronas volumosas.  Já o  " Caudillo por la Gracia de Dios"  Francisco Franco, senil,  finando-se numa UTI, era assediado pelos áulicos e parentes ávidos, e entre eles distribuindo títulos nobiliárquicos, fazendo condes, e duques, contemplados ainda com a enorme herança do patrimônio que acumulara, sempre em nome de Deus e da Espanha.

Ditadura e moral são coisas incompatíveis,  tanto é assim, apenas para ficar num só e forte exemplo, que, como se sabe, o maior símbolo da repressão pós 64 no Brasil, o delegado de polícia Fleury, drogado e bêbado , morreu ao cair da borda do seu iate ancorado no litoral paulista. Com salário de delegado ele possuía iate luxuoso, mas, seguramente, não estaria entre os trinta mil corruptos que o deputado Bolsonaro entende, deveriam ter sido justiçados com o fuzilamento.

 

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MATERIA PUBLICADA EM 03/12/2019

 

 

 

1964, FOI ONTEM ?

Os tanques na rua, anunciando o golpe.

 

 

Será que retroagimos no tempo? Tudo  nos faz constatar  um inusitado fenômeno de  volta ao passado, redivivo em gestos, em comportamentos, em ações , sobretudo no clima pesado,  idêntico ao de uma época e de um episódio do qual 54 anos nos distanciam.

Em 1964 havia um mundo polarizado entre dois colossos. Os Estados Unidos, a mais poderosa potência militar e econômica do mundo, liderava o bloco capitalista, onde se incluíam a Europa ocidental, já recuperada da guerra e demonstrando enorme vigor; toda a América Latina  ( menos Cuba ) a África, a populosa Índia , o Japão,  quase ressuscitado , assumindo a posição de segunda maior potência econômica.

Do outro lado, no mundo comunista, a União Soviética,  gigantesca potencia  com  20 milhões de quilômetros quadrados, mas população escassa, e a China, enorme e superpovoada, com um bilhão de habitantes, o  colosso comunista asiático.

As tensões da “ guerra fria “ agudizavam-se na Europa, onde o exercito vermelho avançara durante a guerra, ocupando países, e neles instalando regimes comunistas, Polônia, Tchecoeslováquia, Hungria, Bulgária, Romênia, Iugoslávia, Albânia, e estancara nos limites que ficaram a dividir a Alemanha, seccionada em dois países. No centro da Alemanha Oriental, comunista, ficara a  antiga capital, Berlim, todavia, dividida entre  americanos, franceses e ingleses , ocupando um lado; do outro, estavam os russos. Do lado comunista, um alto paredão com menos de vinte quilômetros, o Muro de Berlim,  ficou, vergonhosamente, simbolizando a barreira entre dois mundos   antagônicos.

 A batalha entre os dois antagonistas era retórica, e muitas vezes sangrenta, nas guerras de libertação nacional, pela África e Ásia, e   nas montanhas de vários países da América Latina, onde focos guerrilheiros buscavam imitar a trajetória dos barbudos combatentes liderados por Fidel Castro, que tomaram o poder e logo declararam  Cuba   um país  marxsista  – leninista. Embora mais de noventa por cento da população da ilha nem soubessem o que era isso.

 

Em 1961, quando a União Soviética instalou em Cuba foguetes capazes de transportar bombas nucleares e atingirem os Estados Unidos, o mundo, por muito pouco, escapou do Armagedon. John Kennedy e Nikita Kruschev fizeram então um acordo secreto, dividindo suas áreas de influência.

O conflito não arrefeceu, a disputa estendia-se em escala planetária, e em cada país, com maior ou menor escala, adeptos do comunismo e defensores do capitalismo se enfrentavam, as vezes com unhas e dentes.

 

A China já era em 64 uma potência atômica, e com um exército que se contava em dezenas de milhões de soldados. Rompida com Moscou,   tornava-se a nova Meca dos que acreditavam na revolução armada. Até a Albânia, afastada da  União Soviética e na órbita chinesa, miudinha, do tamanho de Sergipe, fez, da sua mísera capital, Tirana, um foco revolucionário reverenciado, e criaram-se novos partidos comunistas da linha chinesa, da linha albanesa.

 

Em 1964, o conflito global chegou a um ponto de pré- guerra civil, e houve o golpe  de Estado, pedido nas ruas que se encheram de senhoras católicas, quase todas, com suas velas acesas, implorando aos  militares que pusessem fim ao que enxergavam como iminente perigo comunista. De um lado rolavam dólares copiosamente, do outro, dizia-se que era injetado o “ ouro de Moscou “. O golpe, se não acontecesse em 64, seria apenas postergado por alguns meses, ou tornado desnecessário pelo desembarque dos “ marines “ americanos, apenas, mais uma vez, pisando as suas botas em praias da latinoamérica.

No final da década dos anos setenta o bloco comunista começou a desabar. Caiu o Muro, a Alemanha reunificou-se, toda ela capitalista, os países dentro da chamada Cortina de Ferro, libertaram-se do jugo soviético, rejeitaram o comunismo, e a própria União Soviética desintegrou-se. Voltou a ser a Rússia do tempo dos Tzares, com território reduzido em uns cinco milhões de quilômetros quadrados. Mas, permaneceu sendo  a segunda potência militar.  O Partido Comunista  russo não chega hoje aos dez por cento de votos, e Vladimir Putin tornou-se um novo Tzar de extrema direita, que, por sinal, interferiu na eleição americana para ajudar Donald Trump, seu colega ideológico, e parceiro nos " bunga - bunga",  as bacanais organizadas pelo ex - Primeiro Ministro italiano, o extremista de direita Silvio Berlusconi, tão corrupto como devasso,  que importava  loiras prostitutas russas.

Tanto a Rússia de Putin, quanto os Estados Unidos, liderados por Donald Trump, alinham-se às ideias extremadas de Steve Bennon e Mike Pompeu, os gurus ideológicos.Ressuscitam  os desvarios de  extremismos  do Duce italiano Mussolini, o pai do fascismo, que terminou pendurado  de ponta cabeça no gancho de um açougue à beira do lago de Como.  Paradoxalmente, tropas americanas, e também, em modesta proporção  brasileiras, ajudaram a varrer da Itália o fascismo  totalitário.

A China, breve, será a maior potência econômica do mundo,  e capitalista ,a menos que ocorra algum desalinho nos rigorosos planos econômicos , caso ganhem corpo pelo país os protestos agora restritos a Hong- Kong, a ex-colônia inglesa devolvida à China, que recebeu um status especial de área onde são preservadas algumas liberdades, que inexistem, completamente, no resto do antigo enorme e milenar Império do Meio.

O “ comunismo “ da Coreia do Norte é apenas um recurso semântico para dar nome a um regime despótico, cruel, que estatizou até  as mentes dos seres humanos que lá desgraçadamente nasceram.

Cuba, sufocada por incapacidade própria, e pelo bloqueio americano, que Obama reduziu, e Trump  restabeleceu, alivia a estatização, e, se não houver maiores percalços, será, nos próximos cinco anos, tão capitalista como qualquer outro país latino americano. É uma ditadura ?  É. Mas, desde quando o Brasil foi um país intrometido nos assuntos internos dos outros ?

Bolsonaro governa como se o país fosse a sua casa, e como se os brasileiros, todos, pensassem como ele e os seus filhos.  Talvez, frustrado porque não é exatamente assim,   ele se torna o agressivo e apressado cavaleiro andante da demolição de tudo o que não estiver enquadrado no seu figurino  um tanto exótico, onde cabem, confortavelmente, os alunos do psicótico Olavo de Carvalho.

 

O retorno ao clima de 1964, é exatamente a estratégia que ele usa para tudo justificar, em nome da sua cruzada anticomunista.

Mas o nosso buraco agora está em outro lugar. E  tem o tamanho enorme de uma economia em recessão, de uma indústria  com capacidade ociosa ultrapassando o nível da produtiva, sinal vermelho para a falência, do comércio em desalento, e da gigantesca cifra de desemprego.

 

Enquanto não houver, paz, estabilidade política, menos vozerio, menos tumulto, menos   belicosidade, e menos ânsia de demolir,   revivendo conflitos  do passado hoje adormecidos , a nossa economia continuará sem maiores perspectivaS.

Sem olhos postos no futuro, e sem compreensão para   a realidade do país e do mundo moderno, Bolsonaro   trava o seu próprio governo, amesquinha os seus ministros ,   “cada vez mais apaixonadoS por Bolsonaro “.  Talvez, não tenha espaço na alma para abrigar a única paixão que deveria ter: pelo Brasil , e pelos brasileiros.

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