Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
MATADOUROS, OS ERROS E AGORA A CALAMIDADE
17/07/2019
 MATADOUROS, OS ERROS E AGORA A CALAMIDADE

 

 

 

 

(Do matadouro ao "boi na folhinha")

O erro essencial dos Matadouros começa pelo próprio nome. Há casos em que as metáforas são convenientes. Hoje, modernamente, os Matadouros são chamados de Frigoríficos, isso afasta aquela ideia de um local sangrento, cruel, onde se faz a execução cotidiana e metódica de rebanhos inteiros de bovinos, suínos, aves, caprinos e ovinos, e, em alguns casos fortuitos, também escondidinhos, caem na faca ou na “mão de pilão” os asininos, os equinos e muares, estes, preferidos para a suculenta  “carne de sol “, e para a boa jabá, com capinha de gordura.  Estamos nos referindo aos matadouros clandestinos, ou aqueles funcionando numa semiclandestinidade, burlando todos os “rigores” da fiscalização. Como se vê, o tema matadouro não é dos mais agradáveis.

Uma visita a um Matadouro, desses que operavam ou operam ainda, tal e qual se fazia nos fundos da Idade Média, é um bom argumento para os vegetarianos ou veganos, todos, com ar enfadado e torcendo o nariz para as delícias de um sedutor churrasco.

Mas o mundo, este planeta que visto da Lua é uma psicodélica bola azulada, desde que o homo sapiens conseguiu dele se apropriar por completo, se foi transformando num gigantesco matadouro. Diariamente, são abatidos milhões de bichos, quadrupedes, bípedes, mamíferos, ou frugívoros, terrestres ou aquáticos, todos para saciar a fome portentosa de mais de sete bilhões daquele primata humanizado, que desceu das árvores, e no chão disputou, com bandos de hienas, a sua primeira carniça. Gostou, armou-se de paus e pedras, e, desde então, os outros bichos que se cuidassem.

Urbanizado, construiu templos, altares, paliçadas, e também matadouros.

Miguel de Cervantes, gênio espanhol da literatura universal, deu voz a cachorros que dialogavam, e nas sutilezas das suas “conversas”, revelavam um certo “humanismo”,  naqueles intervalos, após se estraçalharem disputando restos de vísceras imundas num matadouro, e eram  escorraçados com os chutes dos seus donos açougueiros. Assim, Cervantes despejava réstias de luz, na escuridão medieval que ele ajudou a dissipar.

Muçulmanos e judeus demonstram um cuidado ritual e profundamente religioso em relação ao que matam seletivamente para comer.

Nós cristãos, ou até tremendamente cristãos e evangélicos, como nos quer fazer o nosso tremendamente presidente, comemos e matamos para comer, sem nenhum recato, desde bois às galinhas e porcos, rãs e cachorros, e venha lá o que vier, e possa ser mastigado, ou engolido mesmo.

Não temos também, como descendentes de europeus, (os nossos avós afros e índios guardavam algumas cerimonias) qualquer cuidado na maneira como enxergamos o que se faz, antes que a carne chegue à mesa. Daí o desmazelo vigente nos Matadouros espalhados pelo interior, fedendo, atraindo urubus, e escorrendo a lama fétida das vísceras misturadas ao sangue. Tudo, tendo em volta a azáfama de açougueiros empapados de suor e sangue.

Parece uma cena do inferno imaginado por Dante Alighieri, mas, trata-se de um cenário comum e naturalizado como coisa normal. E que às vezes se transforma em negócio rendoso, para lucros normais, ou assaltos “prefeituralmente” organizados.

Contra isso, juntaram-se o Ministério Público, os órgãos ambientais, a fiscalização sanitária, e pelo interior de Sergipe quase todos os matadouros foram sumariamente fechados.

Já se passaram alguns meses, e o erro que por uma questão entre outras coisas de bom senso, teria de ser corrigido, já se transformou numa calamidade, coisa bem pior.

O abate clandestino espalhou-se por todas as partes, o chamado “boi na folhinha”, que quase havia sumido, retornou, é aquele que se “prepara” no meio do mato, e a carne é transportada em precaríssimas condições até mercados e açougues.

Agora, não se recolhem impostos, os marchantes estão desempregados ou enfrentando pesados contratempos, e a população, em alguns casos,  comendo carne estragada, ou mesmo podre.

Nesses tempos de crise, provocar mais desemprego é quase um aceno para que a violência cresça. Para um marchante, com filhos passando fome em casa, a faca enorme que lhe servia para fatiar bois, pode se transformar numa arma ameaçadora, na tentativa de sobrevivência, dele, e da família.

O negócio da carne é uma rede que se espalha e se entrelaça, fazendo com que do pasto ao matadouro, e dali ao comércio, ou à indústria, se constitua uma parcela  forte da nossa economia.

Sem os matadouros, os boiadeiros estão levando seus bois para localidades da Bahia, ou Alagoas, onde eles são abatidos e transportados em caminhões sem higiene, debaixo do sol, às vezes, e sempre no calor que logo deteriora as carnes que a população está comendo. Os supermercados que têm condições para o transporte em carros frigoríficos oferecem uma carne melhor, e isso vai anulando, fechando, de um em um os açougues.

Trata-se de algo complicado e grave, que não pode permanecer, enquanto se espera que todos os matadouros passem a funcionar obedecendo à relação completa dos itens de higiene e ambientais  exigidos.

A população, enquanto isso corre riscos, e o meio ambiente sofre maiores consequências do que quando havia os matadouros, mesmo irregulares.

É urgente que o erro que bem intencionadamente se queria corrigir, e que por ausência de previsões se transformou numa calamidade, seja agora visto de uma forma pragmática, que tenha em vista a nossa realidade, e a constatação de que desmazelo não se corrige a toque de caixa e repique de sino.

Há umas coisas que se chamam, por exemplo, educação precária, hábitos populares arraigados, interesses econômicos envolvidos, e tudo isso forma um embrulho, que exige paciência e habilidade para ser desfeito.

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