Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
A PROPÓSITO DE OBSCENIDADES
08/03/2019
A PROPÓSITO DE OBSCENIDADES

O sexo não é obsceno, se o fosse estaríamos condenando as espécies vivas à extinção. A forma de fazer ou a escolha com quem fazer o sexo, não são obscenidades.

O amor, qualquer forma que ele assuma é, precisamente, o contrário da obscenidade.

Mas o desamor e o ódio são, sim, coisas obscenas.

Obsceno é tudo o que atenta contra a dignidade humana, é a base sobre a qual se edificam os valores, os valores humanos, celebrando  a justiça, a equidade, o respeito entre as pessoas, e levam  equilíbrio e racionalidade à experiência  da vida. Todo aquele comportamento que viola essas normas, tanto no âmbito pessoal  como na esfera pública, pode ser considerado uma obscenidade.

Discriminar, agredir, ofender, humilhar, matar, odiar,  são atos que podem ser tão obscenos quanto aquele encenado durante o carnaval por dois jovens repulsivamente devassos, que fizeram da sua libido um ato repugnante de exibição pública. Um episódio menor, porque limitado à pessoas que talvez tenham perdido a noção momentânea  de respeito a si mesmos, e desconsiderado a dignidade pessoal dos demais, enojados com tudo aquilo.

Poderia ser um ato restrito e sem maiores consequências, a merecer apenas uma providencia da polícia, se o presidente Bolsonaro, em vez de ocupar-se com a gravidade dos problemas que nos castigam, não estivesse a procurar nas redes sociais, cenas carnavalescas deprimentes, como se houvesse sido eleito para fiscalizar costumes, ou devassidões.

Sempre houve excessos nos carnavais. Excessos costumam ocorrer onde há a vertigem da festa, o delírio do álcool, e agora, de todas as drogas imagináveis. Nos carnavais passados havia o lança-perfume, uma espécie de spray que espirrava gás misturado a um líquido. Podia ser disparado de forma inocente sobre os corpos suados de moças atraentes, nos seios, de preferência, quando recobertos por uma leve blusa. Quando cheirado causava variados efeitos, desde a euforia esfuziante até  o desmaio, algumas vezes o colapso cardíaco. Era um troço perigoso, principalmente quando vendido em recipientes mais baratos, de vidro, que as vezes explodiam, feriam as pessoas. Um conceituado comerciante, tio de João Augusto Gama, ex-prefeito de Aracaju, ficou para sempre cego. Tinha menos de  vinte anos, e numa festa carnavalesca  um lança-perfume marca Colombina, de vidro, explodiu no seu rosto.

Os pais que tinham recursos, presenteavam os próprios filhos, inclusive menores, com caixas do lança-perfume Rodouro, um tubo metálico dourado, sem risco de explosão. Eram raros os que, de posse daquele presente tentador, não o utilizavam como droga.

Num assomo de ímpeto moralisteiro o presidente Jânio Quadros, que não se afastava do copo, dizendo-se defensor da moral e dos bons costumes, baixou um decreto, segundo ele, para “livrar o Brasil de vícios e obscenidades”. Proibia três coisas: o biquine, as rinhas de galo e o lança-perfume.

A mulherada bonita, desafiadora, resistiu. O uso do biquine generalizou-se, tendo começado nas sempre vanguardistas praias do Rio de Janeiro, e estreado, mais ousado ainda, em Búzios, nada mais nada menos do que por Brigitte Bardot, na época enamorada do  play-boy  líbano-brasileiro, Bob Zaguri.

Em Aracaju a moda foi lançada  iluminadamente, numa manhã de sol na Atalaia pela jovem estudante Silvinha Simões, cujas formas valorizavam o comportadíssimo duas peças.

O lançamento foi previamente anunciado na Rádio Liberdade pelo festejado colunista social  e promotor público Carlos Henrique de Carvalho. Contrariou o Bispo, que antes havia proibido um desfile de misses trajando imensos maiôs Catalina, patrocinadores do concurso. O farisaísmo episcopal foi muito elogiado em longos artigos escritos por pudonorosos intelectuais carolíssimos.  

Silvinha Simões, a precursora do biquíni em Sergipe, segundo informação da sua prima, a Procuradora de Justiça aposentada Maria Luiza Cruz, vive hoje com o marido em Portugal. Maria Luiza foi Miss Sergipe, deve ser uma questão de DNA de família.

No carnaval cantava-se: “Chiquita bacana, lá da Martinica. Se veste com uma casca de banana nanica. Existencialista com toda razão, só faz o que manda o seu coração". 

Década dos cinquenta, o mundo de pós-guerra passando por grandes transformações, a filosofia existencialista de Jean Paul Sartre e Simonne de Bouvoir, fazendo a cabeça da moçada, e da intelectualidade “avant-garde".

E o mundo não acabou como as Cassandras de sempre alardeavam, em vozes soturnas. Pelo contrário, evoluiu, libertário, contestador, e dando um tempo para a razão, o bom senso, que sempre se sobrepõem aos excessos.

Jânio, um farsante que se fez “salvador da pátria", interrompeu um ciclo virtuoso de desenvolvimento e evolução social que Juscelino, seu antecessor, iniciara. Preocupou-se com miudezas, chegou ao ridículo, renunciou, mal completava sete meses, e os esperançosos que nele votaram descobriram, decepcionados, que haviam transformado um louco em presidente da república. Por muito pouco não mergulhamos na desgraça de uma guerra civil.

O Brasil tem essa característica: perde-se, por  lapsos de tempo na insanidade, mas, se reencontra no roteiro da racionalidade.

As brigas de galo continuam até hoje, clandestinas, mas os idiotas que as frequentam não largam o vicio das apostas, e do prazer sádico  de ver dois bichos se esfolando.

O lança-perfume clandestinamente continua chegando. Faz parte do kit de drogas pesadas, negócio lucrativo das facções criminosas, e das milícias também bandidas.

As licenciosidades, ou devassidões, como queiram, aconteciam em alguns bailes fechados, onde a elite se permitia transgredir os recatados costumes de então, tão recatados quanto hipócritas.

O povão nas ruas comportava-se com um forçado comedimento. Pobres, negros, tinham sempre por perto a companhia disciplinadora e seletiva do aparato policial.

Hoje, o povão ganhou as ruas, raças e poder aquisitivo diversos se encontram, democraticamente, na celebração da alegria plena  “da festa pagã".

Os jovens que praticaram a cena repulsiva definem agora o que fizeram  como um “ato político", e essa característica vai acabar por prevalecer, diante do erro clamoroso, da falta de bom senso  e noção do que é ser um Estadista, mais uma derrapada entre tantas outras gravíssimas que têm sido, lamentavelmente, a marca desses primeiros meses de um governo que dá a impressão de alimentar-se à custa de tumultos. E agora espalhou a obscenidade pelo Brasil, e pelo mundo, a pretexto de condenar a devassidão.

No começo da era cristã, quando Nero o imperador devasso,  dividia-se entre suas bacanais e o orgasmo da crueldade nas arenas, Petrônio, um intelectual, organizador dos requintes daqueles festins,  inspirado naquilo tudo, escreveu um livro que atravessaria o tempo como uma critica demolidora da sociedade da sua época, o Satiricon.

Petrônio, não era exatamente um homem guiado por escrúpulos, muito ao contrário. Condenado à morte por traição, ele deixou no ar a suspeita de tudo era resultado de uma conspiração política, porque a cena  que domina o livro, o banquete de Trimalquião, um rico devasso, era a sátira da própria corte de Nero.

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LEVA E TRAZ

Algum dia  um governador de Sergipe, vencida a crise, e agendando o pagamento dos servidores do Executivo com maiores salários para o ultimo dia do mês, terá de ressarcir a quantia correspondente ao atraso de 12 dias. Não terá maiores dificuldades de fazê-lo, se fixar, para o mesmo dia, o pagamento dos servidores do andar de cima, aqueles dos outros  poderes, onde se encontram agregados o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Todos recebem  no dia 22, e terão, por sua vez, de devolver a quantia correspondente ao adiantamento.

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