Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
NA RESSACA DO CARNAVAL O DESENHO DA REPUBLIQUETA
27/02/2020
NA RESSACA DO CARNAVAL O DESENHO  DA REPUBLIQUETA

(Uma anunciada baderna cívica ao som do Hino Nacional)

Pejorativamente, costuma-se caracterizar o Brasil como o país do carnaval, uma espécie de republiqueta perdida na gandaia. Agora, depois do carnaval que passou,  a falsa imagem de um país de carnaval desleixado e omisso, se desfaz, e surge, nas suas verdadeiras cores,  a partir do grande símbolo carnavalesco que são as escolas de samba. Formadas nas periferias, onde mais acentuadamente se revelam os dramas da sociedade brasileira, imperfeita, carente e desigual, as Escolas de Samba traduzem, com criatividade inigualável o sentimento do povo brasileiro, e na sátira inteligente denunciam erros, apontam desmandos e alertam sobre equívocos.
Com o samba no pé o povo pisoteou a arrogância, exibiu a face de uma Nação inconformada diante de um  assustador manancial de desatinos. E o que era folia transformou-se numa grande lição, ou seja: a necessidade de compreender melhor a gente brasileira.


Com certeza o sentimento do nosso povo não se contem nos discursos de ódio, nos extremismos ideológicos, que podem contaminar alguns setores, mas  o povo, que trabalha, sofre, resiste, samba, e curte a alegria de viver,  não se faz representado na intolerância daqueles que se presumem donos da verdade inconteste. 
Sobre uma avenida de cadáveres de uma enlouquecida guerra ideológica, não desfilaria uma Escola de Samba.
Todo extremismo ideológico carrega consigo uma convicção perversa, parte da sua natureza totalitária, que exige o extermínio, a morte física ou moral  do antagonista que escolhe. A esse processo de subjugar ou exterminar eventuais inimigos, o extremista dá o nome de “assepsia” da sociedade e das instituições.
Os “sacerdotes” dessa crença, imaginam o paraíso renascendo sobre uma montanha de cadáveres.
Assim fizeram Hitler, Stalin, Mao Tse Tung e tantos outros cangaceiros políticos de menor nomeada.
Há uma outra característica: o extremista nunca se dá por satisfeito. Se o poder que exerce for resultante legítimo de uma eleição democrática, a sua ganancia, a sua fome canina por mais poder e maior mando, fará surgir inimigos disfarçados, obstáculos intransponíveis pelas vias legais; descobrirá sabotadores até no meio das suas próprias fileiras. O extremista é, em primeiro lugar, um desajustado mental, que despreza valores, ignora conceitos, traí juramentos e compromissos.
Demonstra a história que, para os “sacerdotes” do totalitarismo, os inimigos se corporificam exatamente entre as instituições com as quais teria de conviver , e com elas repartir o mando. Assim, é indispensável para o extremista criar um clima permanente de guerra e suspeições.
O extremista pode caber melhor na  mesma definição de um sociopata. Para este tipo de perversão não existem os freios do humanismo, da ética, das leis, da civilização.


Assim, os extremistas ou sociopatas, geraram em todo o planeta, nos mais diferentes locais onde se apossaram do mando, uma crônica horripilante de violências, mortes, devastação.
Este carnaval, que nos fez sair do peito aquele grito de Viva o Povo Brasileiro, transcorreu, para os que não estavam absortos pelo clima da folia, sob um clima de tensão, de  sombrias perspectivas, esmaecendo as luzes da festança nas ruas.
O som dos tamborins não foi suficiente para abafar aquela ameaça partida do general Heleno, e  endossada pelo presidente. O general abusa de termos grosseiros e parece ter perdido aquela noção de comedimento tão peculiar aos oficiais generais. Talvez esteja sentindo o desgaste que aqueles 32 quilos de cocaína num dos aviões da Força Aérea que acompanhava a comitiva presidencial, certamente lhe causaram. Como ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, a ele caberia a ordem de revistar antes todos os integrantes do escalão presidencial, e assim teria evitado o vexame, e a péssima repercussão. Por isso, submeteu-se, calado, aos desaforos humilhantes de um dos filhos do presidente.
Basta lembrar o desempenho impecável que no mesmo posto tiveram os generais  Jose Elito de Carvalho Siqueira, um ilustre sergipano, e  Etchegoyen, para que se conclua que algo está fora de ordem no estratégico gabinete.
Aliás, não é somente ali que os destemperos ocorrem. Os maiores são originários do próprio presidente, que parece interessado em manter um clima de tensão e conflito, cujos efeitos ultrapassam o campo político e afetam, pesadamente, o cenário econômico. Depois dos desastres dos últimos anos, e um início de recuperação no período Temer, a economia brasileira, com o novo governo, já deveria ter alcançado um ritmo firme de avanço do PIB acima dos dois por cento.
Uma República não se afirma  quando os que a conduzem não possuem uma visão Republicana, e agem como  se fossem capitães de republiquetas. Por isso, diante das bases de uma República que se fragiliza, temos vivido entre sobressaltos  E agora estamos emaranhados no maior deles: um ato de agressão aos poderes constituídos marcado para o dia 15 de março, com a chancela até agora não formalmente desmentida do próprio Presidente da República. Se não exonerar os integrantes do governo que deram margem a esse gesto ensandecido de afronta ao regime democrático; se não fizer um pronunciamento formal de repúdio a essa maluquice  de fechar Congresso, e todos os tribunais superiores, o presidente trairá o próprio juramente de defender a Constituição brasileira, e nos reduzirá mesmo à condição de republiqueta.
Alguém já imaginou na  Espanha, Portugal, Canadá, Itália, Austrália, Bélgica, Áustria, Holanda, um chefe de Estado sequer insinuar a possibilidade de apoio a uma manifestação de rua pelo fechamento do Parlamento, do Supremo Tribunal Federal e de todos os demais tribunais superiores? Qualquer chefe de Estado nesses países que ousasse  insinuar apoio a um desatino dessa natureza, logo seria enquadrado em crime de responsabilidade. Os setores empresariais  se movimentariam para evitar a desordem e o tumulto, diante de um apelo à ruptura institucional.
Fechando o Congresso, o STF, como apregoam os   organizadores de uma  “baderna patriótica” ao som do Hino Nacional, a quem caberia suprir o vácuo institucional, e promover a prometida “assepsia" dos poderes e da sociedade? Aos filhos do presidente,  que   insultaram  ministros,  inclusive o próprio general Heleno?
Ao cafagéstico  Olavo de Carvalho, que dos Estados Unidos estimula o caos no Brasil, e disse, com todas as letras, que os “generais brasileiros eram cagões”? E, apesar de tudo, recebeu do capitão-presidente a mais alta comenda brasileira?
Diante do colapso da Constituição, na ausência de autoridades legítimas,  ficaríamos a mercê da ousadia sem limites dos milicianos, estes, tão empoderados, ao ponto de um dos seus líderes, um ex-capitão Adriano, morto na Bahia, ter merecido do próprio presidente quase um elogio fúnebre.
O país elegeu um presidente, agora tem a sensação de estar sendo conduzido por um quadrunvirato de pai e filhos, onde, por vezes repetidas, escasseia o bom senso.  
Se ficar configurada a presença de alguns dos quarenta dedos do quadrunvirato  a estimular o anunciado prenúncio de baderna institucional, a imagem de republiqueta percorrerá o mundo, e afetará mais gravemente ainda o  ambiente de negócios, que  necessita de segurança institucional e pacificação política para consolidar projetos, que dependem, inclusive, do aporte de recursos internacionais.


Depois da exuberância festiva dos dias  carnavalescos, teremos agora, nesse clima suavizado que antecede a Páscoa, de tentar despertar juízo nesses personagens soturnos e sinistros, querendo, num tropel arriscado, dar  volta no tempo e retornar aos anos trinta.
Neles, entre outras coisas, Hitler tocou fogo no Reichstag, o parlamento alemão, e começou a sua sanha genocida;  Getúlio instalou o Estado Novo, fechou o Congresso,  acabou a Federação, interveio nos estados, encheu as cadeias, mas, preservou o Supremo; enquanto na União Soviética Stalin fazia os seus expurgos e fuzilava mais de trinta mil oficiais e soldados do seu próprio exército; e a Espanha se exauria e dessangrava numa devastadora Guerra Civil. A catástrofe maior consumou-se com a Segunda Grande Guerra. (1939 – 1945) Mais de setenta milhões de mortos. Foram os extremismos que levaram o mundo a essa hecatombe.
Desses tempos já nos separa quase um século. 
E agora, desgraçadamente no Brasil, o país de uma gente que já foi cordial, mas  ainda continua com o samba no pé, extremistas insistem em provocar um incêndio. E há um quadrunvirato  que parece conduzir em cada mão um facho  aceso, e com ele, repetidas vezes, tem ensaiado por fogo na República, talvez, sonhando transformá-la    em cinzas esturricadas das instituições, de onde nasceria a Fenix maldita de uma republiqueta de milicianos.
O cenário imaginado assusta, mas com certeza não se transformará em realidade. Nossas instituições por mais agredidas que estejam sendo, saberão conter as investidas e restituir a tranquilidade que o Brasil necessita para fazer aquilo que é mais urgente: acelerar a economia, gerar empregos, e injetar otimismo no generoso povo brasileiro.
Se o quadrunvirato que não elegemos, continuar fora do controle, insistindo nos seus métodos autoritários e atrabiliários, haverá um instante em que a posse do vice presidente general Mourão se tornará inevitável. Poderemos, então, começar a pacificar o país,  consolidar a imagem  de sensatez , coerência, tolerância,  pluralismo,  e de respeito à liturgia dos cargos, elementos indissociáveis ao conceito de uma verdadeira República. 

 

Voltar