Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
O BRASIL E AS GUERRAS DOS OUTROS
10/01/2020
O BRASIL E AS GUERRAS DOS OUTROS

(Bolsonaro ouve Trump na TV, ele se declara fã do presidente americano)

Através da história o chamado Oriente Médio nunca foi uma terra pacificada. Mas os seus combates eram sempre locais.   Potentados entravam em conflito uns com os outros, ou a fé  recorria  à cimitarra para avançar sobre os “infiéis", ou resistir a eles.
Depois de Maomé e o nascimento do islamismo, o sangue de infiéis de um lado e do outro escorreu pelas areias esturricadas dos desertos. Para o muçulmano, cristão era infiel, e vice-versa. Os cruzados, cavaleiros que conduziam a Cruz de Cristo, saíram à conquista da Terra Santa, e  misturavam a ambição material com a própria fé. Ao despontar o século passado começava a era do petróleo, e sob as areias dos desertos estavam as portentosas jazidas.
O oriente médio tornou-se estratégico para o mundo industrializado, que  começaria a enfrentar o desafio de uma nova e avassaladora ideia inimiga: o comunismo. Instalado na Rússia em 1917, desde muito antes  o comunismo anunciara  os seus propósitos, revelados ao mundo  no manifesto de 1848.
As petroleiras americanas inglesas e francesas lançaram-se na grande competição, e para isso violaram fronteiras, destronaram reis , subjugaram e corromperam potentados,  até criaram novos países, e neles estabeleceram seus exclusivos domínios territoriais. 
Pelo ouro negro sob a terra, jorrava sangue na superfície, onde, segundo o mais famoso dos Rockfeller: “travava-se a mais suja das guerras pela civilização".
Em 1972 os sheiks que  se haviam associado às petroleiras e esbanjavam riqueza, descobriram a força imensa dos “ petrodólares". Aproveitaram-se da nova configuração  geopolítica do mundo polarizado entre Estados Unidos e União Soviética; enxergaram as contradições que os favoreciam, e  criaram a OPEP, o poderoso cartel onde cabiam todos os exportadores. Com isso, ganharam força e multiplicaram por  mais de dez os preços do barril.
O mundo balançou, quase perde o rumo, mas os “petrodólares" foram se encaminhando para as bolsas de Nova Iorque, Londres, Paris, Frankfurt, Tóquio, e a globalização, já em curso, adotou novas estratégias.


No Brasil, onde mais de 50 % do petróleo vinham da Arábia Saudita, Irã e Iraque, os efeitos na economia foram devastadores. No final do período do presidente general Médici, acabava-se o chamado “milagre  brasileiro", que conseguiu taxas elevadas de crescimento do PIB.  Projetou-se um férreo racionamento de combustível, que, todavia, demorou a ser posto em prática, enquanto países desenvolvidos já haviam, muito antes, recorrido às pesadas restrições ao consumo.
O general Ernesto Geisel que sucedeu a Médici, era um estadista com visão de futuro. Traçou uma política externa sem submissão aos americanos, inclusive, rompeu o humilhante acordo militar, e abriu relações com o mundo, sem abandonar sua inflexível aversão ao comunismo. Com os árabes, fez parcerias estratégicas, e passamos a ser fornecedores de armamentos, quando aqui se expandia a indústria bélica, depois sabotada. 
Não tivemos problemas no comercio internacional. Na época, estávamos ainda muito distantes da posição que hoje ocupamos como grande exportador de comodities . E o mais importante: criou-se o Proalcol.  Em tempo recorde a frota de veículos brasileiros que então já era alentada, trocou a gasolina pelo álcool, e fez nascer uma nova e forte vertente de riqueza na nossa economia.
Geisel era sisudo, taciturno quase. Falava pouco, porém, impregnava de consistência e credibilidade aquilo que dizia.
Pela complexidade do que era e continua sendo o oriente médio, e a conflitante geopolítica global daquela época, o Brasil encontrou o rumo certo, o caminho pragmático dos interesses nacionais em primeiro plano , tendo à frente do Itamaraty chanceleres da estirpe de Ramiro Saraiva, com Geisel, e Azeredo da Silveira com Figueiredo.
Hoje, diante de tantas e sucessivas derrapadas, é o vice-presidente o general Mourão, que faz o alerta sobre os erros da nossa submissão a Donald Trump.
Sarney tinha, ele próprio, um interesse especial em política externa. Nomeou ministros das relações exteriores   destacadas personalidades fora da carrière , como Olavo Setúbal e Abreu Sodré, mas a Escola de Rio Branco se fez ativa sempre,  afinando a voz da nossa diplomacia a partir do próprio Chanceler, para que se fizesse ouvida no mundo, com respeito e afinidades. Houve continuidade   na orientação de uma estratégia internacional que sempre projetou o Brasil, e o fez   aplaudido nos foros internacionais.
Com o pré-sal, o Brasil em relação a combustíveis não depende mais do exterior, e será, em breve,  um importante exportador de petróleo, mas,  somos agora grandes exportadores de outras comodities agrícolas, como carnes, soja, café, sucos . Desses produtos  o Irã é um grande comprador. Já os Estados Unidos, nesse setor, figura como o nosso maior concorrente
Agora, diante dessa crise causada por Donald Trump que mira a reeleição, e quer avivar o extremismo dos seus apoiadores,  houve um bate cabeças no  Planalto. O obnubilado chanceler Ernesto Araújo emitiu uma nota canhestra, e o presidente Bolsonaro resolveu cassar a patente do general iraniano assassinado.
Esses desencontros poderão resultar em graves prejuízos, afetando  duramente  o nosso agronegócio,  setor mais florescente da nossa economia, e que nos faz sair aos poucos da alongada recessão.
 Estamos ainda bastante vulneráveis às oscilações do mercado internacional, por isso, não fossem outras razões, aquela, essencial, de natureza econômica deveria prevalecer, e dar o tom do discurso do governo,    que terá de ser cuidadoso e inteligente para zelar melhor pelos nossos interesses.
O mundo árabe, e o Irã, que é persa, todavia, também muçulmano, já anda muito ressabiado com certas atitudes do atual presidente, que eles interpretam como manifestações
de hostilidade.
O Congresso americano e a cúpula militar do Pentágono  aplicaram o devido freio nos desacertos de Trump,  que agora aparenta  ter-se dado por satisfeito, canta vitória  pela precisão do míssil que matou o general Suleiman, e desdenha dos revides iranianos,  sequer ferindo um só americano.
O calor da batalha iminente tende a esfriar, mas Trump cometeu outra vez um gravíssimo erro na sua  atabalhoada estratégia política internacional, e deu ao Irã um presente: o controle do  Iraque esfacelado pelas duas invasões americanas, e hoje cada vez mais hostil a eles.  
As tropas americanas já não controlam mais o Iraque, enquanto isso, a influência iraniana cresce, amparada pelos russos, e chineses, e, quando ressurgir das cinzas o Estado Islâmico,  verdadeiro inimigo da civilização ocidental, sem os iranianos e russos os americanos não poderão  extermina-los, eles,  desde o Vietnam o que menos desejam numa guerra é o combate “ on the ground", isto é, no chão, nos sangrentos embates da infantaria.
O general Suleimani que Trump mandou matar, era sem dúvidas um inimigo, mas ele foi  um dos responsáveis pela aniquilação dos extremistas, os fundamentalistas islâmicos, novos bárbaros, que degolaram prisioneiros e dinamitaram monumentos históricos,   patrimônios da humanidade.
Em relação ao Brasil, com as intempestivas manifestações do governo,  pelo oriente médio haverá ressentimentos, e quem primeiro  sentirá as consequências poderá ser o agronegócio.
É no que dá essa política  tacanha de submissão.

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A JUSTIÇA E AS CIRCUNSTANCIAS

(Os dois presidentes Tofolli do STJ e Osório do TJSE trocarão ideias sobre a Justiça e as circunstancias que nos cercam) 

Vivemos tempos de ânimos acirrados e ideias desconexas. Tempos de  disrupções  e antinomias. 
Há quem entenda, até contritamente, que essas tropelias  ocorrendo na política, devastadoramente nas redes sociais, e  afetando pesadamente as instituições e  o dia a dia do brasileiro,  fazem parte de uma virtuosa etapa de “refazimento”, ou “reconstrução" do Brasil.
 Subtende-se que a ideia de reconstruir ou refazer, deva, necessariamente, conduzir a um processo de evolução transformadora e modernizante.
Infelizmente, não é a isso que estamos  assistindo. Há, em todo o tumulto, alguma coisa como se fosse uma ânsia de retroceder, de reativar feridas, de evocar dramas ou tragédias  do passado como se hoje eles  estivessem a  nos fazer falta.
Na verdade, o que estamos a carecer é de algo que nos inspire a buscar elos dialógicos que possam arejar a nossa sociedade.
Enquanto isso não acontece, “tudo o que é sólido se dissolve  no ar" e nesse tropel as nossas instituições vão sendo atingidas. Suspeita -se, o objetivo final parece ser mesmo feri-las de morte.
Por mais erros que tenham existido, e eles efetivamente aconteceram, por maiores que sejam as indignações  que tomaram formas difusas quando as ruas se encheram, manda o bom senso que as nossas instituições se mantenham de pé, íntegras e operacionais.
Três soldados e um jeep,  segundo um filho do presidente  da República seriam mais do que suficientes para lacrar o Supremo Tribunal Federal. Certamente, consumado o ato, os três heróis se autoproclamariam ministros do STF, envergando fardas de campanha.  
O presidente anunciou que nomeará para o STF alguém que seja “ terrivelmente cristão".
Um Ministro, levado ao Supremo com o currículo de ser “terrivelmente cristão", até pela credencial que lhe conferiria o radical advérbio, exigiria para ele um Estado teocrático, onde conseguisse desempenhar o papel de Inquisidor.
Na República Centro Africana, ou no Burkina Fasso, é possível,  que coisas assim aconteçam.
O Estado brasileiro, demos graças a Deus, ainda é laico, e existe, aqui parodiando Dom Pedro I ao vencer a indecisão: "Para o bem de todos e felicidade geral da Nação”.
O ministro  presidente do Supremo, Dias Toffoli, que  chegou  a Aracaju no domingo, e permanece nesta segunda-feira 13, acaba de demonstrar, com lucidez e coerência, que o Supremo apesar de tão vilipendiado, é, de fato, o último refúgio para a salvaguarda da lei,  consequentemente, da cidadania.
Diz a Constituição brasileira que não pode haver nenhum tipo de censura contra manifestação artística ou de pensamento. Nisso, copiamos o que existe em constituições como a americana, a alemã, a francesa, a italiana. Assim, com efeito, nos resguardamos, civilizadamente, ao lado de nações que prezam a liberdade e a democracia.
Tofolli suspendeu a iníqua e até estapafúrdia decisão de um Juiz carioca censurando um especial de Natal humorístico, onde Jesus seria gay,  exibido pela NetFlix.


Sem formatar juízos de valor para a raivosa polemica criada, basta admitir que, para livrar-se de possíveis constrangimentos de ordem religiosa, as pessoas precisam apenas não sintonizar a NetFlix. Somente isso, pressionando uma tecla, sem necessidade de tumultos e alaridos de guerra.
Nesse redemoinho desarvorado de paixões,  a sensatez por vezes é tragada, e há que restabelecê-la, sob pena de retornarmos, ululantes, ao espaço  fedorento das cavernas.
 Numa alegoria  formulada por Platão, a escuridão da caverna representa a ausência do conhecimento, e as pessoas que nela vivem vêm apenas sombras, e desconhecem a luz.
O STF, em tantas ocasiões clarifica, lança luz sobre questões tormentosas e desvirtuadas. Assim, tem evitado  que um  retrocesso civilizacional aconteça, o que corresponderia a um retorno às cavernas escuras da intolerância e do totalitarismo As demais instituições,  vivas, graças ao estado democrático de Direito, vão agindo da mesma forma, como é o caso da Justiça sergipana.
Dias Toffoli,  gostem ou não gostem dele, tem exercido o papel político-moderador que cabe também ao Supremo, diante de determinadas circunstancias. Pode soar estranho, para algumas pessoas, a conceituação ampliada do STF como  poder também político. Mas é exatamente por isso que o Supremo se torna essencial.  Sendo desarmado , pode conter não apenas “três soldados e um jeep,” mas, todos os “exércitos” da ignorância e da estupidez.
O diálogo que o Ministro Dias Toffoli constrói  com o presidente Bolsonaro, os presidentes da Câmara e Senado, Rodrigo Maia e Alcolumbre, tem sido fundamental para que se mantenham as prerrogativas das instituições republicanas, sob as quais todos os brasileiros se abrigam, sejam eles, bolsonaristas, lulistas, a desajuizada produtora Porta dos Fundos que causou o desnecessário tumulto natalino, e até o horripilante indivíduo  que lançou bombas molotov contra a produtora, querendo reeditar uma época triste no Brasil, onde o terrorismo  entrou em cena. Depois,  fugiu para Moscou onde deve estar abrigado sob a proteção de grupos neonazistas que ali vicejam, esquecidos dos milhões de mortos que os hitleristas espalharam pelas estepes russas.
Toffoli  visita os tribunais que compõem aqui a Justiça federal e estadual.   No Tribunal de Justiça de Sergipe, reuniu-se  com o desembargador presidente Osório de Araújo Ramos Filho e os integrantes da Mesa dirigente, o vice, Alberto Romeu Gouveia Leite e a Corregedora, Elvira Maria Almeida Silva.
O desembargador Osório Ramos, rigoroso em transmitir  sensatez e prudência, fez  sucinta explanação,  mostrando o que está sendo feito na sua administração e nas antecedentes,  para que a Justiça  sergipana se mantenha  como  paradigma de excelência.
Não inventou coisas ou distorceu a realidade, apenas,  escorado na evidencia de quatro selos de qualidade conferidos pelo Conselho Nacional de Justiça, o ultimo deles ano passado, considerando o TJS o melhor tribunal do país.
Envoltos nas circunstancias que nos cercam, com as redes sociais servindo como instrumentos de desagregação e ódio, temos descuidado, até mesmo, de zelar pela nossa identidade, pela nossa autoestima, como brasileiros e sergipanos.
Neste 2020 que começa, seria bom que aproveitássemos os duzentos anos de emancipação comemorados, para tentar uma revista histórica e uma projeção futura, na busca de retemperar a sergipanidade, aquele sentimento ao qual Luiz Antônio Barreto, que tanto pensou Sergipe, insistentemente buscava nos fazer contactar.

 

 


 

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