Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
SARGENTO, COCAÍNA, E A “USINA DE CRISES”
03/07/2019
SARGENTO, COCAÍNA, E A “USINA DE CRISES”

(Até quando tanta insanidade?)

Difícil, nas conturbadas circunstancias políticas que vivemos, tratar com objetividade de qualquer assunto, de qualquer notícia, as vezes corriqueira, sem que haja uma contaminação imediata pelo ódio, ou extremada paixão política, que tudo invadem, e também tudo desvirtuam.

O episódio do sargento da Aeronáutica preso no aeroporto de Sevilha, Espanha, transportando 39 quilos de cocaína na sua bagagem de mão, integrando a tripulação de uma aeronave que servia de apoio à comitiva do presidente Bolsonaro em viagem ao exterior, foi a notícia dominante durante uns três dias.

Um fato de tal natureza, evidentemente teria de ganhar destaque na mídia brasileira e internacional, tanto pelo volume da droga apreendida em poder do militar, como pela circunstância especial de estar o presidente do Brasil indo participar da reunião do G-20, aqueles países mais industrializados do mundo, por via de consequência, os mais ricos.

Foi um “grande azar” disse o general Heleno, Ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ou seja, precisamente o setor a quem cabe cercar de cuidados especiais à presidência da República, inclusive, para evitar que ocorram vexames dessa natureza.

Ai aconteceu o pior: o assunto ultrapassou o nível das preocupações específicas, em primeiro lugar o esclarecimento completo do episódio, a proteção legal que o Estado brasileiro deveria prestar a um agente público, envolvido em país estrangeiro num deprimente caso de natureza policial, com o agravante insólito de escancarar um tráfico internacional de droga na comitiva oficial de um presidente.

Salvo em comitivas de sobas e potentados africanos, tal episódio não é registrado. Evidente, que foi uma vergonha para o Brasil. Mas, o sargento Antônio era, até então um ficha limpa, os assentamentos sobre sua carreira (sem trocadilhos) na Força Aérea não o desabonam, e sobre ele evidentemente não existiam suspeitas. Não parece ser um contumaz envolvido com o tráfico. Sua vida é simples, seus bens todos compatíveis com o soldo líquido que recebe de sete mil reais. Tem um apartamento financiado modestíssimo, num distante subúrbio de Brasília, um carro velho e uma moto de 150 cilindradas. Então, nenhuma aparência exterior de patrimônio suspeito. Ao sargento, a Aeronáutica deveria assegurar, pelo menos, o acesso a um advogado que o defenda enquanto estiver em solo espanhol, ao mesmo tempo em que se faz um inquérito para levantar véus que possam existir sobre aquela maleta onde se guardava um estoque de cocaína que, no mercado varejista, poderia render mais de 15 milhões de reais.

Mas aqui, internamente, por mais divisões e conflitos políticos que estejamos a enfrentar, seria insensato atribuir ao general Heleno, algo mais que ultrapassasse o limite de uma falha, que, pelas repercussões, ganham uma desastrosa amplitude. Toda a mídia brasileira, toda a oposição brasileira, apontou no caso falhas que inegavelmente são graves, mas, não se chegou em nenhum momento a lançar suspeitas de deslizes éticos ao general chefe do GSI, muito menos, sequer, de insinuar envolvimentos do presidente Bolsonaro com o tráfico internacional de drogas. Qualquer atitude dessa natureza seria injustificável e absurda.

O “azar”a que se referiu o general Heleno, poderia sim, não ficar apenas adstrito ao campo da má sorte, e motivasse o governo, os demais poderes, a Nação brasileira, a uma reflexão mais profunda sobre o problema do tráfico de drogas.

Do episódio, salta a contundente constatação de que, nem mesmo os setores estratégicos da defesa nacional, da segurança pública, a própria estrutura interna dos poderes, estariam imunes ao contágio do tráfico.

E isso nos levaria a outra evidente constatação: o combate ao tráfico na forma como se realiza, está todo ele necessitando de uma ampla reformulação. O problema terá de aos poucos ir passando da órbita exclusivamente policial, para ir sendo tratado como grave caso de saúde pública. Isso não quer dizer, em absoluto, que se dê carta branca para grupos visceralmente criminosos, como são os “comandos” que agem em todo o país, e até já se assenhorearam de partes do território nacional, onde a presença do Estado diluiu-se, ou assumiu a feição de milícias, tão delinquentes quanto os próprios traficantes.

Não podemos é continuar o desatino de desumanidade e incompetência dessas invasões policiais às comunidades ou favelas, quando morrem inocentes, crianças são atingidas até dentro de escolas, e forma-se um clima psicossocial inteiramente adverso. É comum, nos morros cariocas as pessoas externarem simpatia aos bandidos, e pesadas restrições aos agentes da lei.

Não demora, os caixeiros viajantes das indústrias de armas, hoje empoderados, acabam dizendo que é preciso “armar os cidadãos de bem” nos morros, para que eles tratem de expulsar do seu meio os bandidos.

O fluxo de armas para abastecer o crime amplia-se cada vez mais, porque as nossas fronteiras marítimas e terrestres estão desguarnecidas, e pelo ar as carências da nossa Força Aérea se agudizam, enquanto vão sendo a cada dia sucateados os meios insuficientes utilizados.

É urgente ampliar os quadros da Polícia Federal, fortalecer a capacidade operacional das Forças Armadas, para que garantam as fronteiras do país.

Precisamos também derrotar o apelo à violência e à selvageria, que é a ideia de dar aos brasileiros o direito irrestrito às armas.

Em síntese, necessitamos de educação, de cultura, de civilização, e não consta nos anais da História da humanidade que, em alguma época, a posse de armas tenha contribuído para melhorar a sociedade.

Diante de todos esses problemas que nos atormentam, um quadro de tragédia social formado pelo desemprego de 13 milhões de brasileiros, o desalento de cinco milhões que já desistiram de buscar trabalho, a agonia dos vinte milhões de subempregados, os milhares de empresas que fecham as portas, tenhamos de naturalizar os desatinos que a cada dia surgem no entorno familiar do próprio presidente.

O caso do sargento e da sua mala cheia de cocaína, deixou de ser apenas caso de polícia, para alcançar as dimensões de mais uma crise institucional.

O açodado, e ao que parece desajuizado também, aquele caçulinha mimado do presidente, usou o episódio para voltar suas baterias desreguladas contra nada mais nada menos do que o próprio general Heleno, talvez, entre os militares que restam no Planalto, aquele que mais suporte moral oferece ao presidente.

O filho do presidente praticamente classificou o general Heleno como um “quinta-coluna”, infiltrado no Planalto, de tal sorte o colocou sob suspeita, e desmereceu totalmente a capacidade que tem o GSI de verdadeiramente oferecer segurança. Tanto assim, que se disse ele próprio, o filho do presidente, ameaçado de morte.

A imprevisível e alucinante novela de desatinos, a cada dia apresenta capítulos mais surrealistas.

O presidente Bolsonaro, todavia, demonstra não preocupar-se muito com esses “incidentes de percurso”, tanto assim que, no dia seguinte, estava no Mineirão, descontraído, assistindo o Brasil vencer a Argentina.

Talvez ali ele tenha sentido, se sensibilidade houver no seu espírito belicoso, que o “mito”, ainda recebe aplausos, mas já ouve vaias, e que não foram desprezíveis.

Mito, aliás, é um substantivo facilmente adjetivável.

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