Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
TEXTOS ANTIVIRAIS (16)
18/05/2020
TEXTOS ANTIVIRAIS (16)

O ANARQUISTA ESPANHOL E O ANARCOPRESIDENTE 16

Há uma anedota, aliás muito velha, que é a própria caricatura da obsessão extremista dos anarquistas espanhóis.

Um deles, viajava num barco que naufragou, e lá foi dar com os seus costados mal-afogados numa ilha desconhecida. Arquejando, ele vai percorrendo a praia, e adiante encontra um grupo de pessoas, então, alteando a voz faz a pergunta: “Hay Gobierno?”

Ouve a resposta: Si, hay gobierno. E o náufrago, elevando ainda mais a voz grita, já em tom de revolta: “Estoy contra”.

Essa anedota tinha um significado bastante compreensível nas primeiras décadas turbulentas do século passado. Seria uma alegoria satírica a uma época de tantos desatinos extremistas.

O movimento anarquista expressava uma ideia não exatamente nova. Nascera, entre filósofos da Grécia antiga, que conceberam a utopia de uma cidade sem autoridade, sem governo, sem exércitos, sem leis, sem repressão, sem propriedade, onde tudo seria coletivo, e os cidadãos, quase seres perfeitos, agiriam sempre virtuosamente; não necessitariam de leis, de autoridades, porque todos se respeitariam, vivendo na sua pólis de forma igualitária, e onde o sexo seria praticado livremente. Aliás, tudo seria livre e permitido, desde que não causasse constrangimentos aos outros.

Era uma utopia, tão magnânima quanto irrealizável, que acalentou o sonho e alargou a imaginação de tantos pensadores, preocupados em formatar conceitos, e elaborar uma teoria consistente para um novo modelo de sociedade.

Na prática, a teoria é sempre outra.

Os militantes anarquistas, destituídos de qualquer freio ético, ou humano, tornaram-se até terroristas implacáveis, justificando seus atos cruéis como indispensáveis, para a construção da futura sociedade perfeita. Os anarquistas em ação, odiavam o Estado e as suas Instituições, renegavam sentimentos de religiosidade, e consideravam reis e padres como inimigos figadais, que teriam de ser exterminados. Existe aquela frase que bem define o que pretendiam: “A humanidade só terá felicidade, quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”.

Durante a guerra civil espanhola, houve batalhões formados por anarquistas. Eles combatiam os fascistas do general Franco. Como não aceitavam a hierarquia, nem o comando, ficaram famosos pela absoluta ineficiência.

A prática do anarquismo é, como se observa, bem distante dos seus fundamentos filosóficos. Nas circunstancias que modelam a práxis, os anarquistas, que acreditavam na ação armada para alcançar seus objetivos, tornaram-se selvagens, desumanos. Há relatos de episódios na Guerra Civil Espanhola em que anarquistas, após invadir e destruir igrejas e conventos, assassinavam padres e bispos. Houve festas em que, alguns deles, dançavam agarrados aos cadáveres de freiras, que haviam estuprado.

Mas, deixemos o terreno da história, e voltemos à anedota. Imaginemos, então, num salto mitológico sobre o tempo e continentes, o nosso náufrago, adversário de todos os governos, saindo da sua ilha e chegando ao Brasil, no domingo, 17.

Tomaria conhecimento, então, de que vivíamos o auge de uma pandemia, e o número de mortos já ultrapassava a cifra dos 16 mil.

Para ir às ruas o uso da máscara era obrigatório, e ele logo rebelou-se: – Não vou usar, isso ofende à minha individualidade, sou um homem livre, não obedeço a governos. E logo tomou o rumo de Brasília, a sede do poder, dos tribunais, dos quartéis, dos palácios, do Parlamento, da Justiça, de tudo o que para ele representava a opressão do homem pelo homem. O verdadeiro anarquista, rememorava ele, terá de agir para a demolição completa do aparelho estatal, assim, exigência de máscaras é uma intromissão descabida no livre arbítrio de cada um.

O anarquista espanhol chegou à Brasília. Pensava em fabricar coquetéis molotov, para lançá-los sobre o primeiro símbolo de governo, sobre a primeira autoridade que encontrasse.

Comprou duas garrafas de coca-cola, jogou o líquido fora, conseguiu fácil a gasolina, o pavio, o fósforo, e lá se foi em busca de um palácio qualquer. Passou pela Catedral de Brasília, e só a reconheceu como um templo, porque enxergou a cruz sobre aquelas linhas, cuja beleza não deixou de admirar. Na mente dos extremistas, às vezes, há espaço para a arte; outros, simplesmente a renegam, sentem alergia aos livros, repulsa à cultura.

Mas, não seria em nome da arte que ele desistiria de pôr fogo no templo. Verificou que a catedral estava vazia, então, a bomba seria inútil. Não mataria ninguém.

Pouco tempo depois, passava, ao lado da Catedral, uma passeata de gente em tumulto, e alguns agitavam bandeiras. Pensou: aquele é um bom alvo, gente conduzindo os símbolos detestados de poder, e de pátrias. Aproximou-se, acariciando com as mãos suas garrafinhas mortíferas. Já antegozava aquele feito revolucionário, a cena daquela gente toda pegando fogo, gritando em agonia. Aí, começou a ouvir frases, refrões, músicas que sugeriam guerra, combate, demolição, e isso o interessou. Entusiasmou-se, não sabia que no meio daquela gente com aspecto tão burguês, e tão diferente do perfil mais comum do povo, fosse encontrar tantos adeptos da sua causa.

Quase entrou em delírio quando ouviu: “Vamos jogar na lama as suas togas”.

O anarquista espanhol, imaginou que encontrara, finalmente, um país onde o anarquismo avançava, e com a característica de seduzir a burguesia, sempre alienada, sempre conservadora. Ali, deduziu ele, estava gente que pretendia demolir um dos poderes que, depois dos quartéis, mais simbolizam a opressão do Estado. Estavam querendo jogar na lama o lixo da justiça burguesa, instrumento de classe e de repressão social. Destruída a Justiça, depois, viriam os Parlamentos, os palácios onde se refestelam os sórdidos políticos, os maiores inimigos do povo. O sonho perfeito do anarquismo armado, pronto a matar quem a ele se opusesse.

Encheu-se de um entusiasmo tão grande, que pensou em sair abraçando aquelas pessoas, assim tão irmanadas aos seus propósitos. Conteve-se, contudo, afinal, o país estava vivendo uma pandemia, e aquelas pessoas talvez rejeitassem o cumprimento. Admitiu que existem sempre esses falsos temores, diante de eventos que significam muito pouco na marcha da humanidade, mas, por outro lado, objetivamente, com a desobediência crescendo, acabam por fortalecer a ideia superior do anarquismo. Enquanto assim pensava viu, porém, que muitos como ele também não usavam máscaras, ou seja, não se submetiam à violência do Estado, sempre repressor, e colocavam a sua liberdade pessoal acima de regras castradoras.

Saiu efusivo a abraçar aquela gente, e só ouviu frases animadoras. Queriam fechar também o Parlamento, xingavam os presidentes da Câmara, do Senado, pretendiam levar ao calabouço, ou à forca, os execráveis ministros do Supremo Tribunal Federal.

Então, ele pressentiu que faltava alguma coisa. Ou seja, ninguém falava em matar o rei, ou o autocrata qualquer, que estivesse a comandar aquele país, onde o povo já começava a demolir todos os poderes.

Mas, como o rebanho andava numa mesma direção, ele imaginou: - Vou ter a alegria de ver o povo arrastando de um palácio o seu ocupante, para ser fuzilado no meio da rua.

Observou que havia militares protegendo o palácio, até uma cerca para conter a pequena multidão. Começou então a acariciar outra vez as suas garrafas, pronto para lançar os “coquetéis” contra quem ousasse deter a marcha do povo.

Então, um grupo de pessoas tendo à frente um homem que acenava para a pequena multidão em transe de rebeldia, foi descendo uma rampa em direção aonde ele estava.

Sem entender, resolveu fazer perguntas aos seus novos companheiros “anarquistas”: - Quem são aquelas pessoas?

É o presidente e os seus ministros, responderam.

Atônito, o espanhol recomendou: -Vamos nos preparar, ele vai mandar dispersar-nos pela força.

E foi tranquilizado: “Não se preocupe, ele está do nosso lado, concorda com a gente, e vai acabar essa coisa de isolamento, acabar a mentira desse vírus, vai dar a todos nós um remédio salvador: a cloroquina. Ele é o capitão Bolsonaro.

Capitão presidente? Perguntou espantado o espanhol.

Ouviu a explicação tranquilizadora: “Ele já não é mais capitão, quase foi expulso do Exército porque quis jogar uma bomba no quartel. Foi deputado 28 anos, e nunca deixou de pedir o fechamento do Congresso, e também prometeu que, se um dia fosse presidente, mandaria dois milicianos trancarem as portas do Congresso, o Supremo Tribunal Federal, e ordenaria o fuzilamento de 30 mil inimigos do povo brasileiro.

Nem passou, pela cabeça em tumulto anárquico do militante espanhol, que ali poderia estar nascendo um ditador. Somente encantou-se: - Isso é bastante positivo para a nossa causa, e ele até tem milicianos.

Na mesma hora, tornou-se mais um miliciano bolsonarista.

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NOTAS

APÓS A PANDEMIA O TEMPO DIGITAL

Passada esta pandemia, esses desconexos tempos virais, o mundo não será aquele com o qual nos acostumamos. E é preciso começar a formatar o novo modo de vida. Durante o isolamento, em grande parte dos casos, o trabalho não parou. Surgiu o teletrabalho, e ele mostrou-se, em alguns casos, até mais eficiente do que o presencial, que exige deslocamentos, tem custos, contribui para atravancar ainda mais o trânsito complicado das cidades. O setor público e privado economizou. Na área pública a economia foi mais sensível, ao mesmo tempo em que a máquina tornou-se mais eficiente.

No Judiciário sergipano os ganhos com o teletrabalho foram surpreendentes. Os magistrados produziram mais, os funcionários demonstraram mais capacidade produtiva. E todos festejaram, também, o peso menor sobre os seus bolsos.

O Legislativo adaptou-se muito bem, mas, pelas suas características, não se imaginaria para sempre as sessões sendo virtuais.

No Executivo evidenciou-se que acúmulo de servidores em salas, em alguns casos, mais emperra do que ajuda.

A PETROBRAS NOTÍCIA MAIS ÓLEO EM SERGIPE

E a PETROBRAS, aquela que se imaginou já distante de Sergipe, dá a positiva informação de que novas áreas de gás e óleo estão surgindo no mar, em frente, e bem distantes das nossas praias, mas, que além de todas outras vantagens gerarão royalties, impostos, atividades conexas em terra. E mais emprego.

A BOEING FALINDO SALVOU A EMBRAER

Como se diz popularmente: “Morre o cavalo para o bem do urubu”. Com a Boeing entrando em colapso, salvou-se a Embraer de ser transferida para os Estados Unidos, e depois simplesmente desaparecer. O objetivo da poderosa indústria aeronáutica americana era somente eliminar um concorrente, ao preço de alguns bilhões de dólares. Os acionistas da Embraer, imediatistas, enxergaram apenas a montanha de dinheiro que iriam, de repente, receber com a transação, o que para eles seria mais prático do que aguardar a expansão maior da empresa, num panorama complicado de forte concorrência. Agora, com a pandemia a situação mais se complica. Mas a Embraer tem o grande trunfo que é a capacidade de fabricar jatos de médio porte. Nesse setor, quase não têm concorrentes. Os jatos brasileiros serão aqueles mais adequados às novas características do transporte aéreo. E poderão suprir a forte demanda chinesa por esse tipo de aeronave.

Por outro lado, o setor de defesa da Embraer, que surgiu com o desmembramento, que agora terá de ser revisto, já ocupa o mercado específico de jatos de transporte com dupla finalidade, militar e civil.

O C-390, Millenium, não tem concorrentes, e aqui eles já são vistos, integrando a frota da FAB, sendo utilizados amplamente, para o transporte de equipamentos, indispensáveis ao combate da Covid-19.

Como observou inteligentemente o vice-presidente Hamilton Mourão: “Há males que vêm para o bem”.

SERIA MAIS UMA MESQUINHARIA

A lei, liberando o apoio federal aos estados e municípios, está na gaveta do presidente há quase quinze dias. Aprovada pela Câmara, pelo Senado, espera a sanção presidencial. Ou seja, uma simples assinatura, e depois a publicação no Diário Oficial. Não há, no caso, discrepâncias a resolver, tudo foi combinado com os presidentes da Câmara e Senado em sucessivas reuniões com os ministros de Bolsonaro. Por que ele não sanciona a lei, mesmo sem aquela pressa que teve, quando exonerou o delegado-chefe da Polícia Federal, publicando o ato no DO durante a madrugada, e com a falsificação da assinatura do então Ministro Sério Moro?

Há quem interprete o ato como chantagem, para submeter os governadores, que o presidente considera rebeldes e até golpistas. Outros, vêm a malemolência presidencial como um ato típico de quem não se comove com o sofrimento das pessoas, que faz pouco caso das mortes.

O presidente imaginaria que está fazendo um favor, mas, de fato, é obrigação constitucional dele, atender às necessidades urgentes da Nação. Só o governo federal pode ampliar a dívida pública; só o governo federal pode imprimir moeda. Mais de noventa por cento do sistema de saúde pública brasileiro é responsabilidade dos governadores e prefeitos. Bolsonaro, talvez, como é sua característica perversa, estaria esperando que faltem recursos para os hospitais, para o pagamento da folha, e então diria: “Estão vendo? Eu queria abrir tudo e usar a cloroquina”.

 

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