Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
TEXTOS ANTIVIRAIS (22)
13/07/2020
TEXTOS ANTIVIRAIS (22)

FREI VICENTE DO SALVADOR E O DIAGNÓSTICO DO BRASIL

(O frade historiador e premonitório)

O primeiro relato histórico abrangente do país descoberto por Cabral em abril de 1500, foi concluído pelo seu autor em 1627.

Antes, houve alguns que escreveram sobre a Terra Brasilis. O exotismo das narrativas revelando o Novo Mundo, atraíram as atenções do reduzido círculo de letrados na Europa de então, onde começava a “revolução de Gutenberg”, a máquina que podia imprimir no papel fazendo surgir os livros, os jornais. Desses livros, o mais conhecido é Viagem ao Brasil, publicado em 1557 na Alemanha, com xilogravuras feitas pelo próprio autor, o aventureiro alemão Hans Staden. Juntaram-se a imagem e o texto, dando mais sensação à narrativa fabulosa. O mesmo aconteceu com outros viajantes que percorreram o litoral brasileiro no século 16, e começo do 17, tais como Jean de Léry, Fernão Cardim, Gabriel Soares.

O baiano, nascido num engenho do recôncavo, Vicente Rodrigues Palma, após tornar-se padre, doutorar-se em Coimbra e exercer vários ofícios em Portugal, de lá retornou à colônia de além mar onde nascera. Tomando na Bahia o hábito de São Francisco, tornou-se Frei Vicente do Salvador, começando, então, a escrever a História do Brasil desde 1500 a 1627.

O frade historiador, não limitou-se a descrever 127 anos da história geral do país que ele percorreu por grande parte do seu litoral, mais intensamente entre o Rio de Janeiro e Filipeia, atual João Pessoa.

Ele não apenas arrumava cronologicamente os eventos da ainda curta vida de uma terra repleta de índios, uns poucos portugueses e seus descendentes, mas, já tendo cerca de quinze mil escravos no ano em que a obra foi concluída.

O frade era muito mais do que um historiador. Pela primeira vez o deslumbramento com a terra, a exuberância da natureza, a diversidade da sua fauna, foi substituído por uma análise critica sobre aqueles dispersos núcleos de população, separados por enormes distâncias, fazendo uma espécie de estágio probatório para viabilizar-se como Nação. Segundo ele, os portugueses, grandes conquistadores de terras não sabiam tirar proveito delas, e contentavam-se em permanecer arranhando o litoral como caranguejos.

Essa frase “arranhar o litoral como caranguejos” atravessou os séculos, tal qual metáfora da nossa incapacidade de lidar com um país continente.

Apesar de tudo conseguimos manter a integridade do amplo território, e começamos a nos deslocar para o oeste. Superamos a fase do “arranhar” as praias. O nosso primeiro historiador, enumera com sagacidade algumas das primitivas mazelas que nos marcariam pelos séculos afora, ao longo da nossa existência como povo.

Crente devoto de milagres e maldições, frei Vicente enxergou na mudança posterior do nome de Terra de Santa Cruz para Brasil, a causa de um divino castigo, e escreveu: “E por ventura por isso, ainda que ao nome de Brasil ajuntaram o de estado e lhe chamaram estado do Brasil, ficou ele tão pouco estável que, com não haver hoje cem anos, quando isso escrevo , que se começou a povoar, já não se hão despovoados alguns lugares e, sendo a terra tão grande e fértil como adiante veremos, nem por isso vai em aumento, antes em diminuição”.

Todavia, o frei vai além da crença na irrecorrível maldição, e enumera algumas características do próprio povo que seriam causas das nossas desditas.

Disse o arguto historiador: “E isso não têm só os que de lá vieram, (os portugueses) mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída.

Donde nasce também que nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.

Nem suspeitava o frade historiador, da ausência de “repúblicos” na futura República, repleta de uma elite rapace.

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EDVALDO, O SERÔDIO E OS LARANJAIS DO LAGO

(Edvaldo, do militante ao gestor)

No tempo em que a política ainda era tratada com destaque no plano intelectual, sem a contaminação da mixórdia que dela se apropriou nas redes sociais, os livros eram as ferramentas úteis para um debate conduzido sem paixões extremadas, por isso, exigindo cultura, conhecimento.

No começo dos anos 80 a Universidade de Brasília junto com a Fundação Roberto Marinho, iniciou a edição de uma série denominada Pensamento Político. Um dos livros publicados intitulava-se Os Laranjais do Lago Balaton, do filósofo francês Maurice Duverger.

Um jornalista sergipano revisitando, naquela época, dessa vez na condição de turista curioso os países do Leste Europeu onde estivera antes, e deles saíra com a convicção de que o socialismo real era tão somente a máscara para um totalitarismo tão fascista quando o italiano, no qual Hitler introduziu uma carga de barbárie maior, para decorar tragicamente o seu modelo nazista.

Pouco antes de viajar, lera alguns capítulos do livro de Duverger, e no trajeto entre Budapest e Bratislava, lembrou-se do Balaton, e mudou o rumo para ir ver o lago e seus laranjais. Tendo lido superficialmente o livro, ficara com a ideia de um lago muito azul, onde se sentiria aquele cheiro cítrico das laranjas. Decepcionou-se.

Num frígido fevereiro europeu o lago envolto pela névoa, ocultava suas cores, era até desgracioso, e no seu entorno poderia haver tudo, menos laranjais.

Por ter lido apenas capítulos, talvez o jornalista não houvesse abarcado o sentido sutil das alusões de Duverger.

O principal do livro, contudo, seria a perda de substância do socialismo real em virtude das formas como era exercido, e a necessidade de encontrar fórmulas políticas que não engavetassem num baú de velharias esquecidas, as generosas ideias de equidade social.

As lideranças da esquerda mais esclarecidas e sensatas começaram a fazer essa transição. No Brasil esse processo foi retardado, e ainda hoje apenas se insinua timidamente, porque dogmas não se tornam objeto de autocritica, nem certas personagens se mostram dispostas, ou com a coragem suficiente para se livrarem deles.

Em Sergipe, Edvaldo Nogueira foi o politico que melhor entendeu a necessidade de transição da esclerosada esquerda para uma posição livre dos dogmatismos sectários, e mais acessível às transformações que se processam num mundo onde o conflito entre classes perde consistência, e outros questionamentos se formam com a prevalência hoje das questões ambientais e da nova configuração das relações de trabalho.

O Edvaldo que chegou à Prefeitura de Aracaju não foi o Edvaldo vereador do início de seu trajeto político. Nele, o militante se fez o gestor. Dessa forma, conseguiu reerguer do fundo do poço uma Prefeitura que estava devastada pela irresponsabilidade dos que se aproveitaram de um João Alves abatido pela demência, que infelizmente o acometeu.

Quando se anunciou aquela operação do MPF e da PF, para investigar contratos relativos à construção de um hospital de campanha pela Prefeitura de Aracaju, o jornalista lembrou-se do livro de Durverger, e da sua decepção por não ter encontrado os laranjais inclusos no seu título.

Teve a sensação triste de que seria uma decepção enorme se nas investigações o MPF e a PF, viessem a encontrar aqueles “laranjais”, desgraçadamente constatados nas práticas tão comuns do nosso cenário político e empresarial. Quando algum administrador público, depara-se com a presença ostensiva dos órgãos de controle e repressão, é raro surgir alguma manifestação de confiança tão expressiva quanto a que recebeu Edvaldo, encabeçada pelo governador Belivaldo, e, entre os que a subscreveram, políticos que agora são seus adversários na disputa sucessória.

O militante não teve desvios éticos, o hoje gestor até agora permanece incólume a esse tipo de acusação. Felizmente não houve decepções.

Como estamos, apesar da pandemia, atravessando as ebulições de uma antecipada campanha eleitoral, o termo com o qual a PF designou aquela ação relativa ao Hospital de Campanha: Operação Serôdio, despertou interpretações diversas nas sempre efervescentes redes sociais, de onde ainda as fake news não foram afastadas, como deseja não só o senador Alessandro, mas, toda a sociedade brasileira não contaminada pelo vírus do extremismo.

Muitos espantaram-se com a palavra, e nem tiveram o bom senso de recorrer ao Dr. Google ou a algum prosaico dicionário, porventura ainda disponível, e apressaram-se em insinuações.

De qualquer forma não deixa de ser bastante atual a aplicação do empoeirado termo serôdio.

Serôdio, quer dizer: velho, ensebado, antigo, superado, démodé, se permitem o galicismo.

Mas tudo o que é serôdio no Brasil se vai tornando atual, corriqueiro. O serôdio ressurge, ressuscita, sacode a poeira e dá a volta por cima.

Aqui entre nós, no nosso cenário da sucessão o serôdio reaparece triunfal. Uma candidata à Prefeitura de Aracaju, definindo-se como líder da “nova política” acaba de receber o apoio até ostensivo e falante, daquele mesmo cidadão, com rastros um tanto desprimorosos na nossa crônica de eventos político-empresariais.

Pelo que fez ou cometeu, pelo que fez ou demoliu, imaginava-se que, do campo da “nova política” aquele indigitado cidadão fosse repelido, como detestado exemplar serôdio, portador, protagonista e beneficiário de todos os costumes e vícios abundantes, enquanto operou com ousada desenvoltura entre os partidos e as instituições.

 

 

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